Pois foi só me falarem em “pastoral” e meus pensamentos começaram a procurar. De saída, acharam logo muitas mansas ovelhinhas (que, com o transcorrer do tempo se transformam em “oh! velhinhas!”), pois pastoral é tomar conta de ovelhas. Aí me veio uma idéia que nunca me tinha vindo - que as Sagradas Escrituras têm muita dó das ovelhas. Têm sim, pobrezinhas, tão sem expediente, bobinhas, balindo, balindo, mééé, mééé. Até pensei que a palavra “a- mééé-m” pode até .......
Como vocês já devem ter percebido, meus pensamentos foram possuídos pelo espírito dos cabritos monteses, que muito desprezam as ovelhas, não aceitam ser conduzidos em rebanho, e sobem lá para as alturas das montanhas e precipícios, lugar onde nenhum pastor chega, e de lá ficam a contemplar a maravilha do mundo. Lá o ar é mais frio, estão mais próximos das nuvens e das águias, o silêncio é grande, e não deve por lá se aventurar quem tem medo de lobo ou de alturas.
A bem da verdade, nem sei se os lobos vão até lá. Talvez seja esta a razão por que os cabritos monteses não precisam de pastores: o próprio lobo tem medo das alturas. Pensei então, que a maneira certa de proteger as ovelhas não é botando elas no cercadinho do redil. Melhor é transformá-las em cabritos monteses, valentes, corajosos, fortes chifres enrolados... Claro, claro... Isto tem suas desvantagens. Quem se animaria a subir montanha acima para caçar cabrito para fazer churrasco? Além do que, se não me equivoco, cabrito não dá lã.
Em se falando em pastoral urbana, penso que o que se tem em mente é juntar as ovelhinhas todas num mesmo aprisco, para aquecimento mútuo, proteção e reforço de idéias. Mas, se ao invés de serem ovelhas elas fossem cabritos monteses, então a coisa seria muito diferente, e o pastor, que já não é mais pastor, poderia sugerir trilhas, escaladas, precipícios, panoramas - essas coisas que dão arrepios na alma e corpo, por estarem mais próximas de Deus. Acho difícil que as ovelhas, todas juntinhas unânimes, balindo para a traseira da ovelha que está na frente, possam ter idéias do divino, que freqüenta os ventos frios, flutua sobre as águas do caos primitivo, e não tem medo de entrar sozinho no deserto para se defrontar com o lobo face a face.
Me diga, com honestidade: Você confiaria num Deus parecido com ovelha? Deus parecido é Deus que precisa de pastor, fraco e sem iniciativa. Ora, se você não admira um Deus assim e porque Deus não pode ser ovelhinha, então se vamos ser imitadores de Deus temos de deixar de ser ovelhinhas.
A pastoral urbana não deixa de ser uma contradição, pois cidade não é lugar propício para a criação de ovelhas. Para se criar ovelhas nas cidades necessário se torna construir apriscos de formatos mais estranhos, que vão desde o formato de igrejas até o formato de partidos políticos - lugares onde, igualmente, todos balem a mesma forma.
É preciso reconhecer que cidade, por oposição aos “verdes pastos de águas tranqüilas”, mas se parece com montanha de pedra bruta, os caminhos são perigosos, tem bandido, tem polícia, tem motorista louco, tem as tentações da burrice como o Silvio Santos e o Gugu Liberato, além do jornal nacional e certos programas religiosos, e o problema é manter-se vivo, livre, inteligente e com humor... Mas há os recantos deliciosos: os jardins, os concertos, os amigos próximos, as livrarias, que prazer passear pelas livrarias, mesmo sem comprar nada, os livros: Guimarães Rosa, Gabriel Garcia Marques, Adélia Prado, Saramago, o cinema, do qual ovelhas e pastores gostam de falar mal, só porque não viram filmes com “Cheiro de Papaia Verde”, a Festa de Babette”, “A Lista de Schindler”, “A Lenda de Áquila”, “Como Água Para Chocolate”, filmes que fazem a alma voar e ter pensamentos bonitos. E vocês me perguntarão o que é que isto tem a ver com religião? Acho que nada. Tem que ver mesmo é com a vida. Até mesmo as burras ovelhas sabem que vida não é ficar no aprisco balindo, vida é pasto verdejantes e água fresca. É preciso que se entenda que, se existe um sentido para religião, o sentido é este: “É preciso viver intensamente”. Carpe Diem: colha o dia, como se fosse fruto delicioso. Do jeito mesmo como o fazem as burras ovelhinhas, que não pensam sobre o dia de amanhã, e tratam de gozar bem o dia de hoje porque amanhã, pode ser que tenham sido comidas pelo lobo ou tenham sido comidas pelo pastor.”
(Texto retirado da Escola de Educadores- CAJU - Rubem Alves)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por nos visitar! Volte sempre! Pax et bonum!