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segunda-feira, 28 de junho de 2010

“OVELHAS E CABRITOS”

Pois foi só me falarem em “pastoral” e meus pensamentos começaram a procurar. De saída, acharam logo muitas mansas ovelhinhas (que, com o transcorrer do tempo se transformam em “oh! velhinhas!”), pois pastoral é tomar conta de ovelhas. Aí me veio uma idéia que nunca me tinha vindo - que as Sagradas Escrituras têm muita dó das ovelhas. Têm sim, pobrezinhas, tão sem expediente, bobinhas, balindo, balindo, mééé, mééé. Até pensei que a palavra “a- mééé-m” pode até .......
ter sido inventada por um pastor. Vem o lobo e as coitadinhas, sem um PO, Partido de Ovelhas, que lhes dê palavras de ordem e luta, saem correndo, cada uma numa direção, pensamento de ovelha é assim, feito casinha dos porquinhos, basta o lobo estufar e bufar para que tudo vá pelos ares, vão os pensamentos delas, as ovelhinhas em desabalada carreira, o lobo inteligente rindo e pensando “como são estúpidas”. Pecado de ovelha e burrice. Por isso que, sozinhas, elas estão perdidas. Até Jesus mesmo disse do povo, que andava desgarrado e errante como ovelha que não tem pastor. Na Bíblia, povo é feito ovelha, burro e sem iniciativa, do povo não se pode esperar nada, ovelha sem pastor está perdida, e pensei então que, talvez, os tais “movimentos populares” sejam isto, os lindos movimentos das ovelhas, todas juntas, todas balindo, até o urro do lobo... Não fosse assim elas não precisariam de pastor. Precisavam de pastor por serem fracas, burras e sem idéias próprias. Vendo, de longe, o seu branco e uniforme movimento, todas juntinhas, no meio dos pastos verdejantes e águas tranqüilas, a gente vai logo dizendo: “Que exemplo lindo de unidade partidária. Nenhuma tendo idéias próprias. Cada uma fazendo o que todas fazem. Seriam um bom partido. Ganhariam as eleições...” Por que é que os pastores perdem tempo com bichos tão burros? Bem, as metáforas são perigosas e é preciso não exagerar. Sei que, respeitados os limites poéticos, o pastor pastoreia por amor às ovelhas. Na vida real, entretanto, o pastor pastoreia porque as ovelhinhas lhe dão dividendos, boa lã, e até mesmo um churrasco de vez em quando, como disto dá testemunho o profeta Natã (II Samuel 12), se ele falou é porque esse era o costume. Na verdade não se compreende por que um pastor iria tomar conta gratuitamente das ovelhas, sem delas tomar algo de volta. Só se ele fosse membro de algum movimento ecológico e as ovelhas fossem animais em perigo de extinção. Mas desse susto não vamos morrer. As ovelhas são os animais que mais se reproduzem, estão por todos os lados, e Nietzsche chegou mesmo a dizer que quem quer que ousasse não balir como o rebanho que se internasse voluntariamente no hospício... Razão porque pastores e igrejas são muito necessários, para ter rebanhos de ovelhas cada vez maiores, pastor bom é aquele que consegue transformar em ovelhas os selvagens cabritos monteses. Tanto que as Igrejas são também chamadas de “aprisco”, aprisco sendo os currais especialmente feitos para proteger as ovelhas. Lembro-me que era assim quando eu era jovem, no aprisco a gente estava a salvo dos perigos do mundo, o lobo terrível que deseja comer Chapeuzinho Vermelho e a Vovozinha. Lá, no aprisco, só havia bons pensamentos, boas palavras, boas ações, pois o pastor e o seu conselho, de olhos vigilantes como o Olho Triangular de Deus, no centro do quadro “Os Dois Caminhos”, sabedores do que é bom para as ovelhas, cuidam para que nada de diferente aconteça. “Fareis tudo o que seu pastor mandar?” - perguntam papas, bispos, padres e pastores. “Faremos todas, faremos todas, faremos todas”, respondem as ovelhas em coro contrapontual.
Como vocês já devem ter percebido, meus pensamentos foram possuídos pelo espírito dos cabritos monteses, que muito desprezam as ovelhas, não aceitam ser conduzidos em rebanho, e sobem lá para as alturas das montanhas e precipícios, lugar onde nenhum pastor chega, e de lá ficam a contemplar a maravilha do mundo. Lá o ar é mais frio, estão mais próximos das nuvens e das águias, o silêncio é grande, e não deve por lá se aventurar quem tem medo de lobo ou de alturas.
A bem da verdade, nem sei se os lobos vão até lá. Talvez seja esta a razão por que os cabritos monteses não precisam de pastores: o próprio lobo tem medo das alturas. Pensei então, que a maneira certa de proteger as ovelhas não é botando elas no cercadinho do redil. Melhor é transformá-las em cabritos monteses, valentes, corajosos, fortes chifres enrolados... Claro, claro... Isto tem suas desvantagens. Quem se animaria a subir montanha acima para caçar cabrito para fazer churrasco? Além do que, se não me equivoco, cabrito não dá lã.

Em se falando em pastoral urbana, penso que o que se tem em mente é juntar as ovelhinhas todas num mesmo aprisco, para aquecimento mútuo, proteção e reforço de idéias. Mas, se ao invés de serem ovelhas elas fossem cabritos monteses, então a coisa seria muito diferente, e o pastor, que já não é mais pastor, poderia sugerir trilhas, escaladas, precipícios, panoramas - essas coisas que dão arrepios na alma e corpo, por estarem mais próximas de Deus. Acho difícil que as ovelhas, todas juntinhas unânimes, balindo para a traseira da ovelha que está na frente, possam ter idéias do divino, que freqüenta os ventos frios, flutua sobre as águas do caos primitivo, e não tem medo de entrar sozinho no deserto para se defrontar com o lobo face a face.
Me diga, com honestidade: Você confiaria num Deus parecido com ovelha? Deus parecido é Deus que precisa de pastor, fraco e sem iniciativa. Ora, se você não admira um Deus assim e porque Deus não pode ser ovelhinha, então se vamos ser imitadores de Deus temos de deixar de ser ovelhinhas.

A pastoral urbana não deixa de ser uma contradição, pois cidade não é lugar propício para a criação de ovelhas. Para se criar ovelhas nas cidades necessário se torna construir apriscos de formatos mais estranhos, que vão desde o formato de igrejas até o formato de partidos políticos - lugares onde, igualmente, todos balem a mesma forma.
É preciso reconhecer que cidade, por oposição aos “verdes pastos de águas tranqüilas”, mas se parece com montanha de pedra bruta, os caminhos são perigosos, tem bandido, tem polícia, tem motorista louco, tem as tentações da burrice como o Silvio Santos e o Gugu Liberato, além do jornal nacional e certos programas religiosos, e o problema é manter-se vivo, livre, inteligente e com humor... Mas há os recantos deliciosos: os jardins, os concertos, os amigos próximos, as livrarias, que prazer passear pelas livrarias, mesmo sem comprar nada, os livros: Guimarães Rosa, Gabriel Garcia Marques, Adélia Prado, Saramago, o cinema, do qual ovelhas e pastores gostam de falar mal, só porque não viram filmes com “Cheiro de Papaia Verde”, a Festa de Babette”, “A Lista de Schindler”, “A Lenda de Áquila”, “Como Água Para Chocolate”, filmes que fazem a alma voar e ter pensamentos bonitos. E vocês me perguntarão o que é que isto tem a ver com religião? Acho que nada. Tem que ver mesmo é com a vida. Até mesmo as burras ovelhas sabem que vida não é ficar no aprisco balindo, vida é pasto verdejantes e água fresca. É preciso que se entenda que, se existe um sentido para religião, o sentido é este: “É preciso viver intensamente”. Carpe Diem: colha o dia, como se fosse fruto delicioso. Do jeito mesmo como o fazem as burras ovelhinhas, que não pensam sobre o dia de amanhã, e tratam de gozar bem o dia de hoje porque amanhã, pode ser que tenham sido comidas pelo lobo ou tenham sido comidas pelo pastor.”


(Texto retirado da Escola de Educadores- CAJU - Rubem Alves)

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