Em Jesus e para Jesus a sexualidade é sagrada. É mais do que
funcional. Vai além de perpetuar a espécie. É opção ligada ao outro e
aos seus direitos, à entrega e à fidelidade. É um sim que não pode
depender dos humores da pessoa e sim do seu amor-compromisso. Por isso
ele confronta sua doutrina com a de Moisés. Disse-lhes ele: Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos
permitiu repudiar vossas mulheres; mas ao princípio não foi assim. (Mt
19). E serão os dois uma só carne; e assim já não serão dois, mas uma só carne. (Mc 10). A Bíblia fala de circuncisão do pênis com entrega do prepúcio, de
circuncisão do coração com entrega da vontade. Fala também de eunucos no
físico e no coração. (Dt 10,16) (Jr 4,4 ) (Rm 2.25-29). Se não
entendermos os ....
costumes dos primeiros hebreus e dos judeus que vieram
séculos depois, não entenderemos os costumes de hoje. Hoje, como ontem, o
sexo e a capacidade de gerar é uma escolha espiritual e, por isso
mesmo, vital. Marca profundamente a vida de um homem, uma mulher e sua
descendência. Fertilidade, esterilidade, virilidade, feminilidade,
frigidez, desejo, desempenho são palavras corriqueiras que nem por isso
deixam de ser tabus. Há cobranças que atingem o homem e cobranças que
atingem a mulher. Não há sexo verdadeiro sem cobrança de fidelidade.
Aquela troca de vida só faz sentido entre pessoas que vivem uma pela
outra. É mais do que toque e carícia: é intercâmbio de vida. Vai muito
além da superfície dos corpos.
Fidelidade e utilidade
Na esteira das cobranças cobra-se, também a virgindade, e a data de
perdê-la, cobra-se o celibato até àquele dia e vivem-se os
questionamentos que casamento e celibato provocam no indivíduo e na
sociedade. Não poderia ser diferente: cobra-se a fidelidade do casal e
cobra-se a fidelidade do celibatário. Mas num mundo de tanta exacerbação
da libido é difícil manter a palavra dada. Talvez seja por isso que
milhões não consigam ser fiéis nem ao matrimônio nem ao celibato. Usar
ou abster-se do sexo supõe escolha, ascese, intenção, pessoa e clã. De
certa forma os ricos ainda são dados em casamento… Permanece tabu um
filho rico casar com a mocinha pobre ou a moça rica se apaixonar pelo
motorista da família. O pacote tem destinatário…
Abstinência e uso moderado
Nem no judaísmo nem no cristianismo de dá licença para fazer sexo.
Consagram-se corpos. Isso não dá a nenhum dos dois o direito de usar a
outra pessoa. Há que ser um consenso permanente e, da mesma forma que
não faz sentido alimentar-se de qualquer jeito, beber de qualquer jeito e
em qualquer quantidade, também as relações afetivas dependem do querer e
do sentir que só dá certo se existe a ascese. Outra vez Jesus
alerta para o projeto original da sexualidade. No princípio o sexo
era um encontro unitivo: uma só carne…(Mt 19,5) Mas seriam uma só carne,
porque os dois seriam um só casal, como ele o Pai eram um só Deus
(Jo10,30 )
O ser humano nem sempre entendeu o sexo como um ato de
espiritualidade. Na maioria das vezes a carne atrapalhou. Maior
dificuldade tem e teve de entender a abstinência dele. Por isso encontra
tanta dificuldade em viver o casamento ou celibato. E talvez não
entenda nunca! Serão sempre assuntos apaixonantes. Celibato e casamento
precisam de estímulos espirituais e eles nem sempre acontecem.
Na era tribal e agro-pastoril ter mulher ou mulheres, algumas
concubinas e muitos filhos era mais do que uma questão de prazer: era
dever e podia ser sobrevivência. Os tempos eram de pouca comida, pouca
produção e colheitas incertas. Ter filhos poderia ser a única chance de
chegar ao futuro. Não se brincava de sexo: ele era instrumento de vida
mais do que de prazer. Aí, sim o sexo era utilitário. Mesmo assim
supunha respeito. Abusos eram punidos pelo clã. Os que geram vidas
cuidam um do outro e das vidas que geraram.
Uma leitura atenta dos livros Gênesis e Êxodo e Juizes mostra uma
cultura de sobrevivência na qual o sexo não tinha a dimensão que hoje
tem. Fazia mais parte do ethos produção e trabalho do que do ethos
consumo e divertimento. Quando, hoje, um homem e sua esposa decidem
interferir no seu aparelho reprodutor a escolha é a de não mais, ou
nunca procriar. Seu matrimônio, se matrimônio existe, é desfrute e
deleite, mais do que dever social. Ficarão juntos enquanto se quiserem e
terão filhos se quiserem. Se ela engravidar em hora imprópria, há
médicos, remédios e hospitais… O sexo está mais funcional do que nunca,
mas não para gerar filhos e sim para gerar conforto. Ter filhos não é
mais questão de sobrevivência. Entrou para o rol das conveniências. Não é
o caso de todos, mas o é de milhões de casais que se proclamam
modernos. Não estão mais á mercê da reprodução. Em troca, o prazer está à
mercê deles, ou, melhor dizendo, eles à mercê do prazer.
Priorizou-se o secundário
Priorizou-se o sentimento, a convivência, o afeto e secundarizou-se a
justiça e a procriação. O argumento é que o mundo já tem gente em
quantidade suficiente. A China desde a ascensão do comunismo vem
limitando o número de filhos de um casal a um por matrimônio. Em
sociedades afluentes, os casais decidem por, no máximo dois, de
preferência, um. E não faltam os que preferem um animalzinho de
estimação. Poderiam gerar um filho, mas preferem não tê-lo. Pesados os
prós e os contras, optaram pelo animal a quem tratam como filho
intitulando-se papai e mamãe deles. Vemos isso nas ruas…
Rejeição implícita
Rejeição implícita
Em alguns casos esconde-se a rejeição aos humanos. É chocante, mas
com freqüência nos chegam notícias de milionários que deixam fortunas
para seus cães. Num dos casos, um animal chamado Gunther IV herdou 372
milhões de dólares. Às vezes, o Estado interferiu, destinando o
dinheiro a instituições de caridade para humanos… Numa sociedade como
essa, um casal que escolhe ter mais de três filhos, o homem que escolhe
não ter esposa, a mulher solteira que opta por não ter marido incomodam.
Incomodam ainda mais aqueles que se abstêm do sexo por motivações
religiosas.
Sexo consagrado
Quando o varão hebreu deixava cortar parte da pele do seu pênis, ele,
que precisava ter filhos e gerar uma família, estava se submetendo ao
autor da vida. Era submissão da sua virilidade a alguém que dá ou tira
os filhos. Quando apareceram os primeiros celibatários livres que, não
por medo do sexo, nem porque os patrões lhes cortavam a virilidade, mas
por submissão ao dono da vida e do prazer, o mundo não aceitou,
rejeitou, puniu, depois venerou e, por fim, superestimou. Nunca foi
natural abster-se do sexo e optar por não ter filhos. Continua não
sendo, posto que a quase totalidade dos humanos mais cedo ou mais tarde
faz sexo, quer alguém no seu leito, quer os carinhos exclusivos de uma
pessoal especial, e quer uma descendência.
Como entender aquele ou aquela que controla seu instinto? Alguém que
não vai além de determinados afetos, dosa o prazer, não ultrapassa nem a
própria concupiscência, determina que vai só até o abraço, o afago, ou o
beijo? Como entender quem nem sequer chega perto do corpo de outra
pessoa, quando a maioria absoluta quer se dar e quer receber?
Fronteiras do sagrado
O celibato tem fronteiras, assim como as tem o casamento. Quem as
ultrapassa corre o risco de perder o amor que vem com estas escolhas,
porque as duas escolhas são de submissão livre e consciente a Deus e a
uma outra pessoa. Casar não é querer e ter poder sobre o outro nem ter
que querer o outro. É querer e saber que há limites. O celibato também
não é querer e não poder: é poder, mas não querer. Num caso, o marido ou
a mulher, a partir da porta para fora, vivem a condição de eunucos por
amor ao outro, e no outro, o celibatário escolhe a condição de eunuco
por amor ao Deus que ele deseja levar como celibatário. O casal, todo um
do outro leva Deus com o seu matrimônio sereno e forte. O celibatário
todo de Deus e do seu povo o leva com o seu celibato sereno e forte.
Há quem o consiga por toda a vida. Há quem não o consegue. Há o
casado que busca outros carinhos e torna a entregar-se; há o
celibatário que busca alguém e pede desculpas a Deus por não conseguir
viver sua promessa. Em alguns casos a igreja libera, em outros não!
Entra-se no terreno das intenções e da pureza da escolha. Nem a religião
nem o mundo tem respostas prontas e cabais para o mistério do
casamento, do celibato ou da vida eunuca. Não fazer, não querer, não
viver sem, com quem, em que idade, quanto, até que ponto, como, por quê,
para quem, para quê são perguntas que o indivíduo tem que responder a
contento, se quiser ser feliz, porque trata-se de entrega que ela
determinará o depois de cada entrega.
Tomaram o sexo de volta
O sexo hoje, para milhões de casais não tem nada a ver com Deus. Não
lhes parece um dom. Para milhões de jovens solteiros não tem nada a ver
com o céu. É coisa daqui mesmo! O corpo é deles e farão o que acham que
devem fazer, com quem acham que convém, na hora em que convém. Não
aceitam oferecer nem submeter seus sentimentos e desejos à orientação de
religião nenhuma e a deus nenhum. E se acreditam em Deus, determinam
que Deus não se mete nesses assuntos… Então, pregador que se cale, até
porque muitos pregadores também não se seguram!
Em outras matérias, sim, mas nesta não ouvirão o céu! O que fazem com
seus prepúcios, seu aparelho genital e reprodutor é assunto pessoal, no
qual não admitem interferência. Ao médico cabe ajudá-los a exercê-lo
bem, mas a eles e só a eles cabe usar ou não usar, com quem melhor lhes
parecer conveniente naquela hora e naqueles dias.
O amor secularizado
Faz tempo que o sexo secularizou-se. Foi tirado da esfera do sagrado e
não tem mais relação com a vida. Pode ter, mas não tem que ter.
Agora, existem a pílula e inúmeros dispositivos que separam o ato
sexual do ato vital. Os humanos não estão livres do instinto e da
paixão, mas estão livres da procriação. Deus não manda mais no pênis e
na vagina, nem no útero, nem no esperma, nem nos óvulos. Também não
manda mais no coração humano. Acabou a consagração do pênis, do ventre,
ou do prepúcio. Se naquele ventre se formar alguma vida, dá-se a ela o
nome de zigoto, embrião ou feto, mas não de filho. E se não for
conveniente encubá-la, extraem coma bênçãos do Estado. As igrejas que
se calem ou sejam estrategicamente licenciadas com o apelido de
utrapassadas e conservadoras. Moderno é ter o controle da vida, da
própria e da que por casão começar num ventre feminino….
Separa-se para Deus não mais o prepúcio em sinal de submissão e, sim,
algumas dádivas ou um cheque, mas não a pessoa. Ainda há admiração por
algumas coisas que Deus ainda faz, mas mandar na vontade humana, Deus
não manda mais: nem ele nem a religião. A vontade humana soberanizou-se.
Mas isto já foi cantado no Salmo 2
1 Por que se amotinam os gentios, e os povos imaginam vaidades?
2 Os reis da terra se levantam e os governos consultam juntamente contra o SENHOR e contra o seu ungido, dizendo:
3 Desfaçamos seus nós, e sacudamos de nós as suas cordas.
4 Aquele que habita nos céus se rirá; o Senhor zombará deles.
5 Então lhes falará na sua ira, e no seu furor os turbará.
1 Por que se amotinam os gentios, e os povos imaginam vaidades?
2 Os reis da terra se levantam e os governos consultam juntamente contra o SENHOR e contra o seu ungido, dizendo:
3 Desfaçamos seus nós, e sacudamos de nós as suas cordas.
4 Aquele que habita nos céus se rirá; o Senhor zombará deles.
5 Então lhes falará na sua ira, e no seu furor os turbará.
Dessacralização
À dessublimação sugerida por Marcuse, em resposta à supersublimação
do corpo, dessacralizou o sexo. As igrejas buscam hoje superar seus
próprios excessos e ressublimar o que foi dessublimado. Motivo: a
dessacralização do corpo dessacralizou a vida, o sexo e, com ele, a
procriação. Filho concebido não é mais visto como sagrado. Filho
nascido, sim! E às vezes nem o filho nascido é amado como dom de Deus,
porque é gigantesco o número de pais que rejeitam os filhos gerados: vão
embora deles ou os deixam com quem os queira. Fazê-los foi bem mais
fácil do que querê-los da mesma forma que fazer sexo com alguém é mais
fácil do que querer este alguém; isto, quando o sexo não serve de isca e
cilada para se conseguir dinheiro ou algum resultado interessante. Não
são poucas as mulheres famosas que se despem e provocam a libido dos
homens e vive-versa, em troca de muito dinheiro para um, novo
apartamento. Expor-se provocar libidos tornou-se atividade lucrativa.
Não se guarda mais o corpo para a pessoa amada. Não é mais moderno.
Despir-se tornou-se conquista e virou indústria.
Perdida a sacralidade, vai se a liberdade e a integridade do afeto.
Ama-se ou gosta-se de parte da pessoa e não da pessoa. Doa-se parte e
não a própria pessoa ao outro humano e a Deus. Do imenso mosaico que
somos, tiramos algumas pedrinhas e as empenhamos por alguns momentos.
Depois as queremos de volta porque doar para sempre não é coisa moderna.
O poeta Vinícius de Morais até o cantou em verso e prosa repetidos à
exaustão nos meios sofisticados: Que seja terno enquanto dure! É a
canonização do efêmero. Mas a sexualidade que não sai do efêmero deixa
de ser sadia. É visita ao corpo alheio, mas não é encontro de almas.
***
A palavra é espiritualidade. Sem ela ninguém se entende nem a si mesmo, nem ao outro; nem entende o casamento, nem o celibato. Onde Deus não entra o homem costuma entalar…
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A palavra é espiritualidade. Sem ela ninguém se entende nem a si mesmo, nem ao outro; nem entende o casamento, nem o celibato. Onde Deus não entra o homem costuma entalar…
Ressublimação
Onde entra Jesus em tudo isso? O que tem a ver sexologia com
cristologia? Ele liga amor com vida, carinho com palavra dada e com
fidelidade e vida de eunuco com total consagração. Para Jesus o sexo é
bonito, é unitivo, é dom, é entrega e é definidor. Ou se dá a alma ou
não faz sentido dar o corpo. Nenhuma relação sexual é conquista se da
parte de ambos não for o carinhoso cuidado pela pessoa que Deus lhes deu
como dom do céu.
Utopia? Se o mundo tem os seus Shangri-las, seus Eldorados e suas Mil
e Uma Noites, por que não podem os discípulos de Jesus cultivar a
utopia de uma família que só a morte pode separar ou de uma sexualidade
que deságua na eternidade?
Do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias. (Mt 15, 19)
Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus (Mt 5,
Que proveito tira o homem em ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma? Ou que dará o homem em troca de sua alma? (Mt 16, 26)
Não são mais dois, mas uma só carne. O que Deus uniu, home algum o separe. (Mt 19, 6)
Fonte: http://www.padrezezinhoscj.com
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