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sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Homens e não anjos

Muitos de nós, no início do nosso processo de conversão, vivemos uma época de plena consolação espiritual que Nosso Senhor nos dá, e pensávamos que seria sempre assim. Com o tempo, percebemos por experiência que estávamos errados. Percebemos que apesar de termos entregado a nossa vida à Nosso Senhor, continuamos sendo, da mesma forma que antes, pessoas que tem limitações; pessoas que sofrem; pessoas que choram; pessoas que cansam; pessoas que desanimam; pessoas que se apaixonam; pessoas que se confundem; pessoas que tornam a cair nos mesmos pecados que julgávamos já ter  ............
superado. Percebemos, por experiência, aquilo que a teologia já nos ensina: que somos homens e não anjos. Isso nos leva a perceber também que precisamos trabalhar as nossas questões humanas tanto quanto as questões espirituais, pois se assim não fizermos, a partir de certo ponto não poderemos progredir espiritualmente. É este o degrau que talvez muitos não consigam alcançar, e por isso tornam-se tíbios espiritualmente e desistem de seguir Nosso Senhor. Essa descoberta é aquilo que alguns autores modernos tem chamado de "espiritualidade de baixo": o ser humano que busca encontrar a Nosso Senhor a partir de si mesmo: da sua própria verdade e limitação. Os santos doutores da Igreja já nos diziam que o caminho para o progresso espiritual não é outro senão o auto-conhecimento.
Diante disso, é inquestionável a necessidade de trabalharmos nossas questões humanas. Porém, existe uma tendência perigosa de se contrapor o humano ao espiritual, ou se contrapor o humano a fé, o que é um erro; se o humano e o espiritual vem de Deus, se o humano e a fé vem de Deus, não pode haver contraposição. Pelo menos, não se o humano estiver corretamente ordenado segundo a fé. Aqui também torna-se particularmente fundamental lembrar que a fé é uma adesão da inteligência e da vontade à Verdade Revelada por Deus em Nosso Senhor Jesus Cristo, interpretada autenticamente e comunicada a nós por meio do Sagrado Magistério da Santa Igreja, que a sob a assistência do Espírito Santo, é infalível em matéria de fé e moral (Catecismo da Igreja Católica, 2035).
Nesse sentido, é importante esclarecer que, por um lado, não temos o direito de nos esconder atrás da nossa humanidade para justificar nossa infidelidade à Nosso Senhor. Se usamos nossa humanidade para justificar nossa incredulidade à respeito do que nossa Santa Mãe Igreja nos ensina (exemplo: "eu não concordo que transar antes do casamento é pecado"), ou para justificar o pecado (exemplo: "eu continuo transando com minha namorada porque tenho essa necessidade"): nesses casos, não estamos ordenando nossa humanidade segundo a fé e estamos caindo em um humanismo nocivo, que é uma perigosíssima armadilha de Satanás para nos enganar.
Por outro lado, a forma equilibrada de ordenarmos a nossa humanidade de acordo com a nossa fé é nada mais do que a aplicação dos princípios expostos nos primeiros parágrafos deste escrito. E partir daí, tiramos várias conclusões, expostas nos parágrafos abaixo.
Como seres humanos, nos comportamos de forma contraditória em vários momentos - a nossa própria concupiscência, ou seja, a tendência que temos em desejar o mal, fruto do pecado original, nos leva a agir assim. Como já foi falado, isso não pode ser uma justificativa para não combater aquilo que é pecado, mas isso deve nos levar a olhar com humildade e tranquilidade para as nossas quedas, e recorrer sempre à Misericórdia de Nosso Senhor, como tantos na Sagrada Escritura recorreram e foram perdoados. O que seria de São Paulo, Santa Maria Madalena e Santo Agostinho se assim não fosse? O sentimento de culpa por termos ofendido à Deus é algo santo; porém, a não aceitação interna de que tenhamos errado é orgulho e não santidade.
Como seres humanos, temos sentimentos. Os sentimentos são algo natural em nós, e em si, não são bons nem maus, embora se apresentem de forma desordenada, por causa da concupiscência. A virtude está na forma como lidamos com estes sentimentos. (Catecismo da Igreja católica, 1767) Ninguém jamais peca apenas por sentir raiva ou desejo sexual; pois o pecado implica em vontade. Sendo assim, a consciência de que somos homens e não anjos nos levará não a fugirmos dos nossos sentimentos negativos ou a tentativa de reprimí-los, mas a de nos colocarmos diante deles como algo natural, como algo que faz parte de nós; e buscarmos, com tranquilidade, conhecê-los e compreender as suas raízes, para que possamos trabalhar eles de forma que possam nos ajudar a progredir espiritualmente.
Como seres humanos, temos necessidades. A psicologia nos mostra que o homem tem vários tipos de necessidades: são necessidades biológicas (comer, dormir, ir ao banheiro, ter relações sexuais), necessidades de segurança e necessidades sociais (ser amado). Quando entregamos nossa vida a Nosso Senhor, as nossas necessidades humanas não desaparecem. Continuamos precisando comer, dormir e ir ao banheiro - a não ser que Nosso Senhor intervenha de forma extraordinária; houve santos canonizados pela Santa Igreja que durante anos se alimentaram somente do Santíssimo Sacramento. Continuamos tendo necessidades também que dizem respeito ao nosso equilíbrio emocional: continuamos tendo necessidade de nos sentirmos amados pelos que estão ao meu lado, de buscar a companhia de uma pessoa do sexo oposto - a não ser quem tenha uma vocação especial ao celibato ou esteja física, moral ou psicologicamente impedido de disso; nesta caso, o Espírito Santo concede uma graça especial para suprir esta necessidade de forma sobrenatural.
Como seres humanos, temos limitações, em vários sentidos. Eu por exemplo, por causa da minha necessidade biológica de sono, tenho meu desempenho bastante prejudicado se durante vários dias durmo menos de 7 horas. Me torno também bastante ansioso e atrapalhado quando tenho muitas responsabilidades para cuidar ao mesmo tempo, o que prejudica meu desempenho. Nosso Senhor jamais nos chamará a algo acima das nossas capacidades; e a teologia nos ensina que o Espírito Santo nos concede a graça para realizarmos aquilo que para nossa natureza é difícil, mas ordinariamente, não realiza em nós aquilo que para nossa natureza é impossível - se assim não fosse, poderíamos fazer um jejum definitivo à base de líquidos ou passar todas as noites inteiras em oração contínua e nunca mais dormir. Por isso, precisamos nos conhecer e respeitar nossas limitações, e ter essas limitações como critérios de discernimento para nossas escolhas. Uma rotina que não permita o tempo necessário de descanso e de lazer pode ser tão nociva quanto uma rotina que não permita o tempo necessário para a oração. Nesse sentido, o descanso e o lazer não são fins em si mesmo, mas sim uma implicação necessária para a própria busca da santidade. E é fantástico saber que mesmo nestes momentos, podemos estar nos santificando! 

Por: Francisco Dockhorn
Fonte:http://www.reinodavirgem.com.br

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