Maria foi preparada desde
muito tempo para a paixão tão ignominiosa quanto dolorosa de seu filho. Ele,
que tantas vezes a havia predito aos seus discípulos (Mt. XVI, 21; XVII,21,22;
XX, 17-19; Mc. VII, 31; IX,30; X, 32-35; Lc. IX,22, 44; XVIII, 31-33), sem
dúvida não deixou sua mãe na ignorância. Aliás, o destino de Maria estava por
demais ligado ao de Jesus para não ser mais bem informada que os outros sobre o
que havia de acontecer, e com luzes mais distintas e profundas quanto ao grande
plano da redenção do gênero humano, que devia ser fruto de morte violenta.
Desde o começo das prédicas
de Jesus, ela não tardou a perceber a má disposição dos principais da nação a
seu respeito. Soube da inveja, do ódio, das calúnias, dos conluios
(conspiração) para a sua perda. Via aproximar-se dia a dia o momento fatal. Pode-se
imaginar que impressão causava em seu coração materno esta horrenda
perspectiva, sempre presente a seus olhos. A espera certa e a previsão de um
mal inevitável é às vezes cruz mais pesada a suportar que o próprio mal; e
pode-se afirmar que, depois que foi decidida a morte de Jesus e Maria dela
informada, passou ela a sofrer antecipadamente os tormentos que experimentou ao
pé da cruz.
Deus não quis poupar a mãe mais
que o filho, fazendo de sorte que ela não ignorasse nenhuma das circunstancias
principais da paixão. Eram golpes que lhe estavam reservados, aos quais não se
podia subtrair. Além disso, sendo mãe, não seria a primeira a querer minúcias sobre
os maus tratos infligidos a seu filho? Acrescente a isto o modo sobrenatural
com que encarava a paixão, como o efeito de seu amor ao pai e aos homens – o que
devia aumentar ainda sua santa curiosidade.
Foi avisada da traição de
Judas, e da prisão violenta de Jesus, pelos próprios apóstolos, que estavam
presentes e que o abandonaram (Mt. XXVI, 47-50,55,56; Mc.XIV, 43-45, 48-50;
LC.XXII, 47,48,52,53; Jo.XVIII, 3,4-9,12). Por João, que foi testemunha do que
se passou durante a noite em casa de Anás e Caifás, soube da sentença de morte
pronunciada contra Jesus como blasfemo, por se intitular filho de Deus. (Mt.
XXVI, 57, 59-68; Mc.XVI, 53,55-65; Lc.XXII,54, 65-71; Jo. XVIII, 13,14, 19-24).
Ela o viu com seus próprios olhos
levado no dia imediato ao pretório de Pilatos, daí ao palácio de Herodes e de
lá de novo a Pilatos; soube por si mesma, ou pela multidão, de como foi tratado
(Mt. 1,2,11-14; Mc. XV, 2-5; Lc. XXIII, 1-11; Jo. XVIII, 28-38). Estava
presente quando Pilatos subiu ao tribunal público; escutou as acusações feitas
contra seu filho; compreendeu, pela fúria dos inimigos e pela fraca e tímida política
do governador, que ele estava irremediavelmente perdido. Estava presente ainda
quando foi exposto com o corpo cortado de açoites, o rosto contundido de socos,
a cabeça cingida pela coroa de espinhos, os ombros cobertos com um velho manto
de púrpura e tendo uma cana na mão como cetro; presente quando o povo preferiu
Barrabás e pediu sua morte com gritos furiosos dizendo: Levai-o, levai-o, que seja crucificado, o que era o mais infamante
suplício (Jo. XIX, 15; Mt. XXVIII, 15-31; Mc. 6-20; Lc XXIII, 13-25; Jo.
XVII).
Seguiu-o com outras mulheres
quando levou a cruz até o Calvário, sucumbindo ao peso, por fraqueza e
esgotamento, a cada passo. Estava presente quando o despojaram de sua túnica
pondo-lhe à mostra as feridas, quando o estenderam sobre a cruz, quando o
cravaram com pregos, quando o levantaram com horríveis sacudidelas, quando os
principais e o povo o insultavam e ultrajavam com os mais cruéis escárnios (Mt.
XXVVII, 31-33, 39-41; Mc. XV, 20-22,25,29-32; Lc. XXIII, 26,32-33,35-37;39; Jo.
XIX, 17,18). Que espetáculo para esta mãe, para a mãe de um tal filho! Como foi
excessiva a sua dor! Como foi profunda! Ao mesmo tempo, quanta submissão! Quanta
firmeza! Quanta paz! Seu coração não ficou acabrunhado: uma graça
extraordinária a sustentou para que pudesse sofrer ainda mais.
Enfim, quando foi possível,
ela aproximou-se da cruz com João e Madalena, ficou em pé, - o que denota sua
coragem e força divinas – e nesta posição, os olhos fixos em seu filho, sem
derramar uma lágrima, esperou que desse o último suspiro (Mt.XXVII, 50; Mc.XV,
37; Lc.XXIII,46; Jo.XIX, 25,30). Que sentimentos agitaram então seu coração? Não
havia um único que não fosse sobrenatural e heroico. Mais forte e mais generosa
que a mãe dos Macabeus, fazia o sacrifício pleno e total deste filho tão querido;
unia-se à justiça do pai celestial que imolava esta grande vítima à sua glória;
com ele, Maria imolava o novo Isaac, penhor dos pecados do gênero humano. Seu grande
coração oferecia a morte dele para a salvação de cada um de nós, e a esta oblação
juntava a sua imensa dor. Deste modo cooperou verdadeiramente em nosso resgate
e o título de Redentora lhe pertence tanto como a Jesus Cristo o Redentor. O sacrifício
da mãe não foi separado do de seu filho. Muito menos lhe teria custado dar a
própria vida e é por isso chamada Rainha dos Mártires.
Que lições sublimes Maria
nos dá aqui! E como é, neste quadro, o modelo perfeito das almas interiores, às
quais Deus faz sofrer as últimas provações! São muitas as suas penas: mas podem
ser comparadas às de Maria? Aquelas morrem para si mesmas e Maria morre por
Jesus Cristo. Que elas não se queixem, pois, mas, para que tenham forças,
lancem um olhar para a Mãe das Dores e invoquem-na, conseguindo, por sua
mediação, imitar sua firmeza, constância e generosidade. Depois de Jesus na
cruz não há para elas um livro tão belo como Maria ao pé da cruz.
Fonte:
Livro: A vida de Maria - Pe. Jean Nicolas
Grou.
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