Nos últimos tempos algumas palavras que eram
utilizadas quase só em ambientes acadêmicos e debates de escola tomaram as ruas
e praças. Uma das mais utilizadas é “ideologia”. Mas o que significa exatamente
isso? Para que duas pessoas possam dialogar de frutuoso é preciso que exista
entre elas um mínimo consenso semântico. Isso significa que utilizem as
palavras com um conceito ao menos aproximado. Boa parte das confusões acontece
porque as pessoas não se entendem e acabam dizendo o mesmo com palavras diferentes
ou falando coisas diferentes com a mesma palavra. Bem… vamos tentar entender um pouco o significado da
palavra da moda: Ideologia. Se buscamos a etimologia desse termos teremos a
composição de duas palavras de origem grega: ιδέα (idea) + λόγος (logos).
Parece que a junção dessas duas palavras foi criada pelo filósofo francês
Destutt de Tracy no final do século XVIII para designar simplesmente o estudo
(logos) das ideias (logos): idéologie.
Essa concepção neutra persistiu durante muito tempo
ampliando o conceito para as ideias típicas de um povo, cultura ou grupo
social. Outros passaram a usar esse termo, disseminado em praticamente todos os
idiomas, com o sentido de o jeito típico de pensar de uma pessoa ou de um grupo
específico de pessoas. É um sentido bem amplo que não parece coincidir com a
acepção utilizada hoje no Brasil. Nenhuma Igreja aceitaria que alguém afirmasse
que seu modo de entender a fé é uma ideologia. Como aconteceu essa evolução do
conceito?
A tradição marxista começou a utilizar o termo
“ideologia” agregando a ele um tom crítico e negativo. Seria um sistema de
ideias utilizado pela classe dominante para garantir sua hegemonia perante os
dominados. Com a adesão às ideologias as pessoas dominadas aceitariam mais
facilmente que fosse mantida a dominação. Aos poucos esse uso “sociológico” e
“político” do termo ideologia vai ganhando os contornos de um “sistema fechado
de ideias”. Esse parece ser o conceito mais atual e definitivo para o termo.
A ideologia não é mais um neutro estudo das ideias,
mas representa um sistema em que cada ideia funciona mais ou menos como as
peças de um quebra-cabeças. Ao final você tem a identidade da figura formada
que pode ser social, política, econômica, sexual etc. Trata-se de uma ideologia
quando o sistema é fechado. Não faz sentido você agregar uma nova peça o
quebra-cabeças. Dessa forma a ideologia não admite o diálogo de diferentes. Ela
não tolera peças do outro “time ideológico”. Portanto, a forma ideológica é
típica do totalitarismo, do absolutismo.
Pessoas movidas por ideologias são incapazes de
admitir algum tipo de razão no outro, principalmente se for alguém que pensa
diferente de mim. É um ótimo suporte para uma sociedade dividida em duas
margens ideológicas: direita e esquerda. Normalmente a ideologia não admite
mais do que essa medíocre polarização.
O jogo político plural, típico das democracias amadurecidas fica reduzido a um confronto de tribos mais parecido com uma partida de futebol do que com um saudável diálogo cidadão. É preciso combater e até eliminar o outro, a outra ideologia. A vida social não pode ser vista fora desse conceito de guerra. Na base dessa visão está o motor do conflito, como enunciado no materialismo dialético do marxismo clássico. Curiosamente quem não faz essa crítica do conceito de ideologia e o utiliza de modo irresponsável para caracterizar negativamente as ideias do outro acaba se tornando refém das ideias que combate. Assume uma forma conflituosa coerente com a proposta marxista em que é preciso promover a luta de classes para superar a luta de classes.
Uma visão para além dessa miopia marxista acredita que é possível o diálogo entre pessoas que pensam diferente. Essa foi a proposta de Jesus e que ele chamava de shalom (paz). O sonho do velho profeta Isaías (11,6-7) ainda permanece atual: “lobo e cordeiro pastarão na mesma relva”. Essa comunhão não é possível com sistemas fechados e narcisistas de ideias. É preciso ter a mente, os ouvidos e o coração abertos para poder superar as ideologias e construir uma sociedade de harmonia e paz.
Pe. Joãozinho, scj
Catholicus
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por nos visitar! Volte sempre! Pax et bonum!